quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

A LANTERNA DOS AFOGADOS


Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a esperança na incerteza das riquezas... I Tim 6:17

Ouvi certa vez um conto indiano interessantíssimo: 
A história de dois homens pescando às margens do Ganges que, subitamente, veem uma criança se afogando na correnteza do rio. Os dois se jogam na água e salvam-na, com relativa facilidade.
Ambos se recompõem e voltam a pescar na margem do rio quando, subitamente, duas crianças surgem se debatendo contra a correnteza, se afogando. Ambos se jogam novamente na água e salvam, cada qual um, as crianças.
E voltam a pescar. E de súbito, outra vez, surgem outras crianças, agora quatro, afogando-se rio abaixo. Com muito esforço e extrema dificuldade eles conseguem salvá-las. E, exaustos, retornam à margem do rio.
Quando pensam em tornar a pescar, veem com espanto mais oito crianças, da mesma forma, se afogando. Um deles, quase que sem pensar, pula na água. Quando vê que o companheiro não pulara, grita:
_Você não vem me ajudar, não?
_Não! Responde o outro. Eu vou subir o rio para ver quem está jogando as crianças no rio!

***

Cá estamos nós, reclamando do desassossego que esse grupo de afogados e afogandos sem chinelo vem infligindo à nossa pescaria. 

Queremos sossego.

Ainda que às custas de tantos outros desassossegos e desassossegados. 
Fizemos por merecer. Nossa meritocracia é nossa boia.

Todo mundo quer sombra, mas ninguém planta uma arvore.

Todo mundo quer sossego. Todo mundo...

Nosso mantra é “não lhes dê o peixe, ensine-os a pescar”.

Nosso mantra, nosso álibi...

Só mantra. 

Nem uma coisa, nem outra.

Não damos o peixe nem ensinamos a pescar.

Como se comêssemos só porque pescamos. Como se pescássemos só o que é nosso. Como se ninguém não nos houvesse dado, antes, algum peixe. Como se não tivéssemos peixes suficientes para repartir.

Aí os famintos vêm comer no nosso aquário, “porque os cachorrinhos também comem do aquário dos seus senhores”!

 E des-ornamentam o aquário-enfeite de nossas etiquetas.

O anzol fisga nossa pele, mas não fisga nossa consciência.


Vivemos o paradoxo de reprovar o produto, mas não o produtor. O efeito, não as causas.
Talvez parte do nosso sossego venha do desassossego alheio.

E talvez alguns desassossegados pensem inversamente, de que seu desassossego venha do sossego alheio.

A lógica é a mesma. Invertida, mas a mesma.

E filosofamos, tergiversamos, elucubramos, orgasmamos...

Nesse onanismo que nos confere algum prazer.

Não fazemos o bem porque gastamos muito tempo aprendendo como fazê-lo.
Temos argumentos. Somos argumentistas.

E Theóphile Gautier nos re-citaria sua máxima: 

   os que pretendem ter sempre razão, normalmente são os menos razoáveis”.

Hannah Arendt nos ensinou o que nos deveria ser óbvio: o mal é banal. 

          “Somente o bem é radical”, disse ela.

Não posemos de Eichmann no tribunal de Nuremberg!

Precisamos de radicalidade, não de radicalismos.

Radical é deixar as amenidades, os gestos éticos, as boas intenções, os discursos morais, as confissões de fé, os credos... e procurar as mecânicas que perpetuam o estado de coisas.

 Radical é não fazer o “bem aparente”. É deixar as remediações. 


Quando o mesmo Tiago diz que a “a religião pura e imaculada diante de nosso Deus e Pai é esta: 
Visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e guardar-se isento da corrupção do mundo,” 

ele não está propondo uma outra cartilhinha religiosinha, não. Ele está dizendo só isso: 

Façam o que precisa ser feito. Eis a verdadeira religião.

Radical é quebrar a máquina feito um ludita. Não é a madre que pariu os afogandos a máquina que produz a miséria. Mas é a miséria produzida pela máquina que os produz e reproduz.

“Lanterna dos afogados” é estar sempre lutando contra algo e buscando um objetivo sem qualquer esperança... e quanto mais se luta, mais se afunda.

Tem alguém jogando as crianças no rio, correnteza abaixo... Ah, tem!

Por isso, manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a esperança na incerteza das riquezas...


E manda logo!

Dilson Cunha  (24/02/14)

Dilson Cunha é Arquiteto, 
Mas Escreve como Poucos 
Sua Sensibilidade em Contemplar o Cotidiano 
Sempre nos Surpreende com sua visão Humanitária 
E Solidaria para com os menos favorecidos. 
Crítico Político Imparcial traz sempre um Questionamento nunca 
Imponto Suas Idéias mas sempre fazendo o seu leitor pensar ou 
Procurar Pensar por sua Própria Cabeça.. 
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2 comentários:

  1. muito bom seu blog, vou acompanhar as postagens, se puder da uma passadinha lá no me blog. obrigado.. linuxbugone.blogspot.com.br

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A felicidade anda pela estrada da gratidão. O que se "escreve com as mãos" fala com a boca e se pensa com o coração. G. de Araújo Lima